Não é de hoje que o festival quarentão revela para os desatentos inúmeras joias musicais, sejam as até então escondidas do grande público – o álbum moulin-rúgico de uma drag queen brasileira, o hit de um trio pop australiano –, sejam as célebres há milênios que, por uma razão ou outra, só você não conhecia direito – Bruce Springsteen, my Boss!
A edição deste ano, porém, começou com uma armadilha: o tal do trap, um spin-off do rap cuja marca registrada parece ser a voz de Alexa-sob-efeito-de-brisa que sai do gogó de onze entre dez artistas do gênero. É bonito ver a rapaziada deixar as periferias, vencer os preconceitos e ganhar o Palco Mundo. Mas ouvir – passo para corujas, golfinhos e outras espécies com audição mais apurada.
A minha alcança territórios familiares para quem nasceu na esquina da geração X com a Y, como a Manchester oitentista da banda britânica James, o primeiro achado deste Rock in Rio. Já estão no meu repeat diário “Beautiful beaches”, que caberia fácil na trilha daqueles indies obscuros que a gente só vê em mostra de cinema; “Laid”, cuja batidinha ecoa os Beatles; e ainda “Sit down”, porque não poderiam existir arranjo e letra mais acolhedores.
A Colômbia que rebola no modo Shakira é outro desses lugares com jeitão de casa para os crescidos nos últimos suspiros do século 20. Daí o flerte com Karol G dar match em tão poucas notas. Como não soltar as cadeiras (para fins apenas dançarinos) no ritmo de “TQG”? Como não imaginar uma noite inteira com a musa de Medellín na balada “Contigo”? Como não se render à sororidade no refrão hipnótico de “Alibi”?
Como não se render também a cem mil brasileiros dispostos a ser seus backing vocals, seu coro, até seu playback se for necessário?
Às vezes faz a descoberta quem está atrás do microfone. A plateia já sabia que “The Goonies ‘r’ good enough” vale mais do que o tesouro inteiro de Willy Caolho. A plateia já sabia que o certo é ir baixando o volume no final de “Time after time”. A plateia já sabia de cores e salteado o caminho até o arco-íris desenhado em “True colors”. Cyndi Lauper é que talvez não soubesse – a julgar pela emoção demonstrada em sua estreia na Cidade do Rock – o quanto ainda era capaz de encarnar o verso que dá título à sua canção mais famosa.
Valeu, Rock in Rio, por mais uma vez ser o festival que – mesmo depois de quatro décadas e tantas estrelas – surpreende os dois lados do palco.