Gosto de andar. Volto do trabalho a pé. Vou à padaria a pé, à farmácia a pé, ao mercado a pé, até ao cinema a pé, se o filme não estiver em cartaz a uma São Silvestre de distância.
Gosto também de variar o caminho, para descobrir o boteco com comida barata e honesta, o ateliê de um artista local, a lojinha que vende souvenires exclusivos, a costureira que recicla o jeans usado desde a adolescência, o sebo que reúne os exemplares esgotados mesmo nas melhores livrarias, o imóvel vazio que não está prestes a virar outra clínica de depilação.
Entre os caminhos possíveis, gosto ainda de variar a calçada. Uma vez, lá pelos idos da pandemia, só com a troca de uma pela outra é que avistei em certa janela, pendente num cabide, uma camiseta com os dizeres: eu não votei nesse imbecil. Imediatamente sorri sob a máscara e balancei a cabeça em concordância, como se o dono da peça pudesse me ver.
Outro dia, não faz muito tempo, uma mudança de lado permitiu que eu enxergasse uma casa que era mais do que uma casa: era uma escola de música. Não resisti a parar por uns segundos e prestar atenção nos movimentos gêmeos que uma moça e um rapaz, sob o olhar atento de uma mulher de cabelos brancos, faziam com seus violinos. Balé para os ouvidos!
Uma ruazinha pela qual não dávamos nada, que cruzávamos sem torcer um milímetro o pescoço, de repente se transforma numa avenida de novidades.
Uma parte considerável das pessoas é assim também. Quando de fato nos aproximamos delas, sem os filtros impostos pelas redes antissociais, encontramos um tio com mais dúvidas do que certezas, uma conhecida que chora entre a festa incrível e a viagem espetacular, um vizinho que dá aquele abraço de urso de pelúcia gigante, uma prima capaz de cozinhar o feijão mais gostoso que você já experimentou.
O algoritmo nos encerra em bolhas a cada clique mais inestouráveis, onde somos mais ou menos iguais, onde colecionamos mais ou menos os mesmos interesses, onde exibimos mais ou menos as mesmas virtudes, e onde os outros são meros figurantes – quando não inimigos –, bonecos e bonecas de plástico, seres sem minúcias, sem contradições, sem surpresas.
A saída desse beco da divisão e do preconceito em que fomos encarcerados é o retorno às ruas, aos olhos nos olhos, ao diálogo que não é a soma de dois ou três ou muitos monólogos, ao contato realmente humano, com cheiro, com sabor, com toque e temperatura, sem uma tela no meio – tela que tantas vezes se disfarça de juiz de paz apenas para fomentar a guerra.
Não é fácil deixar um espaço em que aparentemente estamos seguros e arriscar uma caminhada ao ar livre. Não é tão simples trocar de calçada se do lado de cá eu (acho que) já tenho tudo de que preciso e ainda chego mais rápido ao meu velho sofá. Mas é isso ou perder a chance de fazer um exercício que põe bem mais do que as pernas e o sangue em circulação.